O Arcebispo Steiner: "O telefonema do Papa, um conforto para o povo"

07/05/2020
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A metrópole do Estado do Amazonas está entre as mais afetadas pela pandemia e os números oficiais (5.700 infecções e cerca de 500 mortes no Estado do Amazonas pelo Covid-19 em 1º de maio) subestimam a realidade que se choca com o ritmo incessante dos enterros. Uma descrição da dramática situação é dada pelo Arcebispo Dom Leonardo Steiner, um franciscano menor, que está à frente da arquidiocese há alguns meses, depois de ter sido Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil por oito anos. O telefonema de Francisco, que chegou justamente nestes dias, "foi - explica o arcebispo - um gesto paterno extraordinário para todos nós". Todos sabem agora que o Papa está conosco, que ele cuida dos dramas humanos e está perto dos pobres".

O esclarecimento veio na última quarta-feira das autoridades locais de Manaus: valas comuns sim, mas não caixas empilhadas, dispostas em três camadas, como havia acontecido no dia anterior, causando o veemente protesto dos familiares. Uma notícia que dá uma ideia da situação da metrópole capital do estado brasileiro do Amazonas e porta de entrada para a grande floresta. Se no Brasil o coronavírus galopa, à taxa agora de 7.000 contágios e 500 mortes por dia, de acordo com dados oficiais,Manaus é hoje o caso mais "fora de controle" do país,bem como a confirmação de quanto os números oficiais (mais de 5.700 contágios e cerca de 500 mortes no estado do Amazonas para Covid-19 em 1º de maio) subestimam a realidade. Na verdade, há uma semana os enterros, que também são realizados à noite, são cerca de 140 por dia. E um estudo da revista Época sobre a comparação de mortes com o ano passado mostra que nas últimas semanas, só em Manaus, houve um aumento de 750 mortes em relação ao ano passado. E agora o risco é que o contágio se espalhe maciçamente na floresta e nas reservas indígenas.

Em um cenário tão trágico, incomoda a atitude do Presidente da República Jair Bolsonaro, cujas últimas declarações foram: "E daí? Eu sinto muito. O que você quer que eu faça? Meu nome é Messias, mas eu não faço milagres".

Incomoda, sobretudo, em comparação com a mobilização e responsabilidade da Igreja, à qualdeu voz, nesta entrevista para a Sir, o Arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, um franciscanomenor, já Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil por oito anos. Dom Steiner está nestes dias telefonando, um a um, a todos os sacerdotes, e no sábado passado recebeu uma ligação do Papa Francisco e no dia 1º de maio foi ele mesmo ao cemitério, para abençoar os cadáveres, pedindo aos sacerdotes que fizessem o mesmo nos próximos dias.

ENTREVISTA REALIZADA POR BRUNO DESIDERA (original em italiano)

https://www.agensir.it/mondo/2020/05/02/coronavirus-in-brasile-a-manaus-140-sepolture-al-giorno-larcivescovo-steiner-la-telefonata-del-papa-un-conforto-per-la-gente/

 

Excelência, qual é a situação em Manaus? Fala-se de mais de 100 enterros por dia, do risco de morte nas ruas... que novidades há?

A situação é dramática. A população da região metropolitana de Manaus ultrapassa dois milhões de habitantes. Metade da população do estado do Amazonas vive na "grande Manaus". Além do coronavírus, esta é a época do ano em que aparecem outras formas virais.

O sistema de saúde do Estado era inadequado antes, imagine agora.

Os hospitais estão cheios e as terapias intensivas não têm leitos disponíveis. Esta realidade contribui para que um certo número de pessoas morra em casa. De acordo com as informações que temos, os enterros diários ultrapassam 140. Antes da pandemia, havia cerca de 30 por dia. Continuamos na curva ascendente da infecção. Mas também há muita solidariedade e caridade.

 

As pessoas estão cumprindo as medidas de proteção ou houve erros ou subestimações?

Nós suspendemos a celebração pública das missas antes que o governo tomasse uma decisão. Inicialmente, havia uma forte aderência do povo ao isolamento. Com as críticas claras a estas medidas por parte do Presidente da República, as pessoas começaram a circular muito mais.

Mas continuamos com a suspensão da celebração pública das missas e insistimos no isolamento.

 

Como a pandemia afeta a situação social em Manaus?

Os subúrbios de Manaus são muito pobres. Temos cerca de 2 mil pessoas vivendo nas ruas; há cerca de 35 mil grupos indígenas na periferia da cidade; temos a presença de migrantes haitianos e venezuelanos. Com a interrupção do comércio, as pessoas não têm renda, apesar do salário mínimo fornecido pelo governo. Temos pessoas que não possuem a documentação necessária para poder ter acesso a este subsídio. A cidade tem uma grande área industrial, que ainda está de pé. A situação é a mesma em todo o mundo. Mas as pessoas que vivem com esmolas e a ajuda de outros estão sofrendo muito. É por tudo isso quenós tentamos, como Igreja, sair e trazer ajuda.

 

A cidade é a porta de entrada para a grande Amazônia. Existe o risco de que o contágio se propague aos povos indígenas?

Apesar do isolamento que as comunidades têm imposto a si mesmas, há sempre o perigo de contágio. O vírus já atingiu algumas comunidades indígenas, de acordo com relatórios oficiais. E aqui em Manaus, nos subúrbios, já morreram dezesseis indígenas.

 

Você apreciou a ligação do Papa? O que vocês disseram um para o outro?

A ligação do Santo Padre foi um gesto paternal extraordinário para todos nós.

Os católicos, mas também muitos outros, sentiram-se confortados. Todos sabem agora que o Papa está conosco, que ele cuida do drama humano e está perto dos pobres. Ele perguntou sobre o povo indígena, os pobres. Ele disse que rezava e desejava afirmar a sua proximidade. Expliquei rapidamente a contribuição que estamos fazendo neste momento difícil para a nossa cidade. Através do telefonema, as pessoas sentiram a presença do Papa. Estamos profundamente gratos a ele pelas palavras de encorajamento e conforto que recebemos.

 

Como a Igreja da Arquidiocese está respondendo à emergência sanitária e humanitária? Quais são as principais iniciativas das paróquias e da Cáritas?

Temos tentado colaborar com o Governo para nos colocarmos a serviço dos pobres. Infelizmente, não temos um hospital vinculado à Igreja. Mas nós nos dedicamos a ajudar os pobres. Temos tentado servir os habitantes de nossas ruas, indígenas, migrantes e famílias pobres em nossos subúrbios. As paróquias, as Áreas Missionárias, os fiéis, trouxeram a sua ajuda com a doação de alimentos, com o serviço de entrega de alimentos.

Os padres têm transmitido as celebrações pela internet, todos os dias. Nós três bispos concelebramos no domingo às 7h30 da manhã, na catedral, e a missa é transmitida através da televisão, rádio e internet.

Tentamos sempre oferecer uma palavra de encorajamento e esperança. Devemos também acompanhar famílias que choram a morte de seus entes queridos.

 

O senhor deseja enviar uma mensagem de esperança, mesmo sob estas circunstâncias?

A pandemia pode nos tornar mais humanos e perceber o grande valor que a vida tem.

A Páscoa, neste momento da história, nos mostra que podemos viver com esperança e fé. Vivemos a nova vida de Jesus, fomos despertados para a eternidade. Na aparente ausência de Deus, começamos a perceber a Sua presença silenciosa e amorosa, lembrando que a nossa vida, vivida no amor, preenche os nossos dias, a nossa jornada.