IGREJA NO BRASIL RUMO À 57ª ASSEMBLEIA GERAL DOS BISPOS: A ATUAÇÃO DA IGREJA NO MUNDO URBANO.

Redacción CAL
23/01/2019
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PASTORAL URBANA BRASIL

 

A Igreja no Brasil prepara-se para mais uma Assembleia Geral dos Bispos, programada para acontecer em Aparecida, aos pés da padroeira Nacional, de 01 a 10 de maio de 2019.

Como acontece a cada quatro anos, a Assembleia deste ano terá como objetivo eleger a nova presidência da CNBB, bem como elaborar as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) para o quadriênio 2019-2023.

Como tema central da Assembleia, os Bispos reunidos em Aparecida refletirão sobre a atuação da Igreja no mundo urbano, um tema central para o nosso país que, segundo o senso do IBGE de 2010, tem uma população urbana equivalente a 84,4% da população total.

 

No Brasil o processo de urbanização começou a ganhar força na década de 1940, quando ainda a população rural equivalia a 69% do total. Mas foi sobretudo a partir dos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek (décadas 1950 e 1960) que tal processo se intensificou, impulsionado pela formação de um mercado interno integrado que atraiu muitas pessoas para a Região Sudeste do país, onde havia maior infraestrutura e onde se instalava um número maior de indústrias.

Conhecemos bem os problemas decorrentes desse movimento migratório interno, tais como: o surgimento das favelas, o aumento da violência urbana, a poluição, as enchentes devidas à falta de um plano de urbanização, o tráfego intenso, etc.

Em âmbito religioso, o processo de urbanização foi acompanhado pelo surgimento de muitas seitas e pela abertura de diversas “igrejas”, sobretudo nas periferias, onde a presença da Igreja Católica era escassa e onde as pessoas sentiam maior necessidade de suporte espiritual e humano, visto que viviam um processo doloroso de rompimento com as próprias raízes culturais, de abandono da própria terra e da própria família.

Já estando vulnerável por tal situação, a população das periferias tornou-se presa fácil de doutrinas e grupos que foram surgindo de maneira espontânea e desordenada em praticamente todos os centros urbanos.

Se por um tempo fomos tentados a enxergar na cidade um obstáculo à evangelização, um ambiente de desagregação e de desordem, onde não era possível encontrar Deus, e que caminhava para uma sempre maior secularização, atualmente já não podemos pensar assim. É necessário encontrar Deus na cidade e levar o anúncio e o testemunho de Jesus Cristo aos lugares mais escondidos, onde há desespero e necessidade de salvação.

Assim escreveu o Papa Francisco na Evangelli Gaudium: “A nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21, 2-4), é a meta para onde peregrina toda a humanidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da humanidade e da história se realiza numa cidade. Precisamos de identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças” (EG 71). Tais palavras nos indicam bem a maneira como devemos olhar para a cidade. Um desafio, claro! Mas, exatamente por isso, um lugar onde Deus nos chama a estar.

É verdade que na cidade a religiosidade se manifesta de diversas formas e que a própria busca das pessoas por uma vida melhor já esconde uma riqueza humana e espiritual. Quantas pessoas encontram exatamente na religiosidade a força para continuar lutando e sobrevivendo nas cidades! É preciso descobrir e contemplar a ação de Deus em meio ao aparente caos e nos belos sinais de Sua presença amorosa.

“ Ele [Deus] vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tateando, de maneira imprecisa e incerta” (EG 71).

Essa esperança e otimismo devem nortear nossa ação evangelizadora, vencendo o pessimismo estéril e o derrotismo que muitas vezes estão tão presentes em nosso agir eclesial.

As cidades são também geradoras de cultura. Nelas surgem novas ideias, novos estilos de vida, novos anseios e costumes que acabam influenciando inclusive a zonas rurais e os pequenos lugarejos. A Igreja deve ser capaz de contemplar essas novas realidades, de inserir-se nelas e de discernir o que há de positivo, sendo ainda capaz de adequar as próprias estruturas, linguagens e horários à vida urbana. “Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas” (EG 73). 

Porque as cidades são multiculturais, “torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das cidades” (EG 74). Nesse sentido, importa perguntar-nos se estamos verdadeiramente influenciando e evangelizando a cultura ou se, ao contrário, fomo-nos conformando a viver à margem dela ou a somente fazer-lhe oposição.

“Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e desconfiança mútua” (EG 75). Tal panorama faz-nos ainda mais responsáveis por reconstruir a unidade, a paz e a dignidade humana através da proclamação e testemunho do Evangelho, que será base para a transformação da cultura.

Um precioso discurso do Papa Francisco a esse respeito em audiência concedida aos participantes ao Congresso Internacional de Pastoral das Grandes Cidades em 2014 pode oferecer algumas luzes à nossa reflexão. Nele o Santo Padre apresenta quatro aspectos aos quais prestar maior atenção[1]:

- Realizar uma mudança de mentalidade: viemos de uma prática pastoral secular na qual a Igreja era o único ponto de referência cultural. Hoje, além de não sermos os únicos, não somos nem mesmo os primeiros ou os mais ouvidos. Tal mudança de mentalidade, no entanto, não pode significar o surgimento de uma “pastoral relativista”. Ao contrário, “é preciso ter a coragem de realizar uma pastoral evangelizadora audaz e sem receios, porque o homem, a mulher, as famílias e os vários grupos que habitam na cidade esperam de nós, e precisam dela para a sua vida, a Boa Notícia que é Jesus e o seu Evangelho”. “ Devemos trabalhar para não ter vergonha nem resistir ao anúncio de Jesus Cristo”.

- O Diálogo com a multiculturalidade: tal diálogo deve partir do desejo de alcançar o coração do próximo e de ali semear o Evangelho. Com um olhar contemplativo, a Igreja é chamada a descobrir o fundamento mais profundo das culturas que, em última instância, permanecem sempre abertas e sedentas de Deus. Neste ponto o Papa nos convida à criatividade e à coragem do Apóstolo Paulo em seu discurso em Atenas, evidenciando que, “sem dúvida, não foi um sucesso, mas teve criatividade! Ele procurava fazer-se entender por aquela multiculturalidade, que estava muito distante da mentalidade judaico-cristã”.

- A religiosidade do povo: “Deus habita na cidade. É necessário ir à sua procura e deter-se lá onde Ele se põe a agir”. A experiência de Deus, embora muitas vezes dispersa ou misturada com vários outros substratos, pede para ser descoberta e não construída. Tal descoberta é possível somente quando criamos empatia para com as pessoas.

- Os pobres urbanos: “Juntamente com a multiplicidade de ofertas preciosas para a vida, a cidade possui em si um elemento que não se pode esconder, e que em muitas cidades é cada vez mais evidente: os pobres, os excluídos, os descartados”. A Igreja é chamada a ouvir o clamor dessas pessoas - afetadas por tantas formas de pobrezas, sejam econômicas, sociais, morais ou espirituais - e ir a seu encontro. Os pobres peregrinam em busca de salvação e não há dúvidas de que em sua fé podemos encontrar grande potencial para a evangelização.

O Papa então, sugere dois “núcleos pastorais”:

- Sair e facilitar: aqui uma aplicação concreta da mudança de mentalidade. Passa-se de uma postura de espera a uma atitude de ir à procura, de pastores que vão em busca de “Deus que habita na cidade e nos pobres”. E não só, é preciso “facilitar o encontro com o Senhor. Tornar acessível o sacramento do Baptismo. Igrejas abertas. Secretarias com horários para as pessoas que trabalham. Catequeses adequadas nos conteúdos e nos horários da cidade”. Desenvolvamos ainda a capacidade de despertar curiosidade e interesse por Jesus Cristo em nossos interlocutores.

- A Igreja Samaritana: o Santo Padre chama a atenção para a necessidade do testemunho concreto de caridade, vivido pelas inúmeras iniciativas eclesiais, mas também em colaboração com outras Igrejas e Comunidades eclesiais. O campo da caridade é lugar privilegiado para desenvolver o ecumenismo e assim dar um testemunho ainda mais coerente de Jesus Cristo a todos os homens e mulheres do nosso tempo.

Enfim, o Santo Padre alerta para a necessidade de dar protagonismo aos leigos e deixar-nos curar da enfermidade do clericalismo: “Em tudo isto é muito importante o protagonismo dos leigos e dos próprios pobres. E também a liberdade do leigo, porque aquilo que nos aprisiona e que não nos faz abrir de par em par as nossas portas é a enfermidade do clericalismo. Este constitui um dos problemas mais graves! ”

Que o Bom Pastor nos ilumine na missão de conduzir o Seu Povo com sabedoria e discernimento, sendo capazes de atualizar Seu Evangelho para os homens e mulheres de nosso tempo.